Estadão
No primeiro mês como ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB-MA) anunciou quatro medidas para combater ataques contra o Estado Democrático de Direito. O conjunto de propostas ficou conhecido como pacote antigolpe, ou pacote da democracia, e seria enviado em fevereiro. Na ocasião, o ministro concedeu dezenas de entrevistas para anunciar suas ações, fez postagens e ameaças nas suas redes sociais que somam 2,2 milhões de seguidores no Twitter e Instagram. Mas, passados cinco meses, nada saiu do papel – as propostas nem sequer foram enviadas aos parlamentares.
Até agora, a pasta do ministro mais popular do governo Lula apresentou apenas um projeto de lei ao Congresso com o objetivo de combater o ouro ilegal. O texto chegou à Câmara no último dia 13 de junho. O ministro não anunciou nenhuma medida nova voltada para a área de segurança pública. Em discursos amplamente repercutidos nas redes sociais, porém, cobrou explicações de plano de saúde por reajustes, ameaçou postos de combustíveis que não baixassem os preços, big techs e o Congresso.
O ministro também especulou a possibilidade de censura prévia ao músico Roger Waters por apologia ao nazismo; falou em usar o princípio da extraterritorialidade contra quem ofendeu o jogador Vini Jr e acionar a Polícia Federal para investigar o esquema de apostas em jogos de futebol. Ações que ficaram apenas no discurso. A promessa de “ação rápida” para combater grupos criminosos que fraudam eventos esportivos já dura 40 dias.
Nesse período, Dino virou um protagonista nas redes sociais. Alvo de mais de 60 convocações no Congresso, o ministro já esteve em quatro delas, o que lhe rendeu o título de “lacrador” por rebater parlamentares de oposição que desconhecem o Direito, tema que domina. A “lacração”gera números na internet. Depois das eleições, ele tinha cerca de 790 mil seguidores no Twitter. De lá para cá, chegou a 1,1 milhão. A popularidade incomodou o governo, que pediu ao ministro mais discrição, como convém ao cargo de ministro da Justiça, já ocupado por nomes como José de Alencar (1868-1870), Osvaldo Aranha ((1930-1931), Tancredo Neves (1953-1954 e 1961), e Paulo Brossard (1986-1989).
Atos golpistas
Elaborado na esteira dos ataques antidemocráticos do dia 8 de janeiro em Brasília, quando golpistas depredaram a sede dos três poderes para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o pacote antigolpe teria uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), uma Medida Provisória (MP) e dois Projetos de Lei (PL). Mas ficou só na promessa.
A PEC criaria a Guarda Nacional, em substituição à atual Força Nacional de Segurança. A solução alardeada pelo ministro era substituir a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), hoje responsável pela proteção da Praça dos Três Poderes, pela Guarda Nacional. “O pacote de propostas”, anunciou o ministro nas redes sociais, “será apresentado…no início da legislatura”, disse Dino, na época. Já se passaram cinco meses da data prevista
O ministro também anunciou que iria enviar ao Congresso uma medida provisória para criminalizar condutas antidemocráticas na internet. Dino prometeu criar obrigações jurídicas compulsórias às big techs, quando houver cometimento de crimes contra o Estado Democrático de Direito ou de terrorismo, em ambientes virtuais. Falou, ainda, em suspender e até banir redes sociais que não barrarem publicações com discurso de ódio. Até o momento, porém, nenhuma MP foi encaminhada.
Nem mesmo uma proposta alternativa para abarcar esse tema foi adiante. O Ministério da Justiça incluiu no projeto das Fake News parte de suas propostas, mas o governo Lula abandonou o tema diante da falta de votos para aprovar o texto nem mesmo sua versão fatiada.
Flavio Dino também prometeu no início do ano enviar ao Congresso dois projetos de lei – um para aumentar a pena para organizadores e financiadores de atos antidemocráticos e outro acelera a perda de bens de pessoas e empresas que participam desses ataques. Os textos não foram encaminhados.
Coisa de internet
No Congresso, deputados dizem que Dino age como o ex-presidente Jair Bolsonaro que quando cobrado por suas declarações nas redes sociais justificava assim: “Coisa de internet”.
“O ministro da Justiça de qualquer país tem que falar pouco e agir muito. O Congresso está aguardando todas as medidas anunciada no pacote. Se não chegar, o ministro perde força, capital político e coloca a credibilidade em cheque ante o Congresso Nacional”, disse o deputado José Nelto (PP-GO).
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) reforça. “A situação da segurança pública no Brasil é algo sério e acompanhamos a inércia no Ministério da Justiça. Também observamos a alegria com a prisão de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro acusado de facilitar os atos golpistas) e vimos o silêncio quando vídeos do ex- Ministro do GSI (de Lula) Gonçalves Dias o mostraram conduzindo “invasores” para facilitar fuga. Lamentável”, afirmou ela.
O deputado federal Rodrigo Valadares (União-SE) diz que Dino “deixa a desejar” no trabalho. “Flávio Dino é especialista em perseguição e bravata. Mas em termos de trabalho, deixa muito a desejar. Prometeu novo decreto de armas, pacote antigolpe e combater criminosos, mas o que vemos é exatamente o contrário”, disse o parlamentar.
Complexos
Procurado para comentar o assunto, o Ministério da Justiça alegou que os textos enviados à Presidência da República “dizem respeito a temas complexos, que demandam estudo e discussão interna”. “Tão logo esse processo de estudo e discussão seja finalizado, o pacote será enviado ao Congresso Nacional”, acrescentou a pasta.
A afirmação contraria, no entanto, o próprio Dino. À imprensa, o ministro da Justiça afirmou em 26 de janeiro que as medidas são “pontuais” para que caminhem de maneira célere. “Nós procuramos construir um meio-termo. Não são medidas puramente simbólicas, porque isso não cumpriria nenhum papel. Por outro lado, não temos a pretensão de fazer um pacote muito longo, muito complexo, muito demorado, pois a experiência revela que a tramitação legislativa fica muito dificultada. Então são quatro ideias pontuais, são projetos bem pequenos”, disse ele.
“A ideia inicial do Ministério da Justiça é essa. É claro que há outros órgãos do governo que serão consultados, como a Advocacia-Geral da União e a própria Casa Civil, evidentemente. Podem ser acrescidos outros projetos a partir dessa consulta interna no governo, sob o comando do presidente da República”, acrescentou.