À frente de uma das principais pastas do governo Lula (PT), o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), ganhou protagonismo no Planalto ao se colocar como ator central na resposta aos ataques golpistas de 8 de janeiro e nos episódios de atentados em escolas.
Também tem protagonizado embates com opositores em audiências no Congresso Nacional, situações em que respostas irônicas bem-humoradas a adversários viralizaram nas redes sociais e viraram memes.
Ao mesmo tempo, ele tem gerado incômodo entre auxiliares do presidente Lula por seu estilo considerado centralizador e pouco colaborativo. As reclamações sobre Dino giram em torno de rusgas com outros ministros, que o acusam de buscar exposição excessiva.
Dino é apontado como um dos membros de primeiro escalão com ambição de disputar a Presidência da República no futuro. Colegas ministros dizem que Dino tem agenda própria e é pouco colaborativo. Brincam ainda que dá entrevistas demais à imprensa.
No Planalto, há divisão a respeito da atuação do ministro. Enquanto uma parte de auxiliares palacianos o defende ao dizer que Dino tem trabalhado bastante e atuado, sim, em conjunto com os ministérios palacianos, outros reclamam que o titular da Justiça tem dificuldade de aceitar a autoridade de Rui Costa (PT), da Casa Civil, e procura sempre despachar diretamente com Lula.
Auxiliares palacianos também criticam a conduta de Dino em questões ligadas à SRI (Secretaria de Relações Institucionais), comandada por Alexandre Padilha (PT), coordenador político do governo.
Um episódio que gerou desconforto diz respeito ao chamado pacote da democracia, que foi elaborado pelo Ministério da Justiça.
Preparado após os ataques aos três Poderes, o pacote consiste em uma série de projetos de lei que preveem, por exemplo, a criação de uma guarda no Distrito Federal, que seria responsável por cuidar da segurança dos prédios públicos federais, e o endurecimento de punições para quem atenta contra o Estado democrático de Direito.
O pacote foi entregue diretamente a Lula pelo ministro da Justiça. Mas os projetos não foram discutidos previamente com as pastas do Planalto e acabaram empacando na Casa Civil.
Das medidas anunciadas, foi dada prioridade à regulação das redes sociais. Esse assunto teve um caminho facilitado porque havia o projeto de lei das fake news já em tramitação no Congresso Nacional, sob a relatoria de um deputado aliado, Orlando Silva (PC do B-SP).
Ainda assim, gerou incômodo na Esplanada o que ministros apontam como tentativa de Dino assumir o protagonismo de pautas de articulação interministerial. Como exemplo, auxiliares palacianos citam que o texto do governo entregue ao deputado Orlando Silva teve o envolvimento de diversas pastas, não só da Justiça.
Casa Civil, SRI, AGU (Advocacia Geral da União) e Secom (Secretaria de Comunicação Social) estão trabalhando nisso conjuntamente com membros do Ministério da Justiça, mas o carimbo sobre o projeto acabou ficando com a marca de Dino.
O incômodo com o titular da pasta vai além do Palácio do Planalto e chega a outros ministérios.
Como mostrou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, uma indicação de Dino criou uma situação de aperto no governo. O ministro da Justiça convidou a advogada Marilda Silveira para ser sua assessora com a função de entrevistar magistrados para futuras promoções e ajudar a criar o Observatório de Violência de Gênero no ministério.
Marilda, porém, atuou em diversas causas contra Lula na Operação Lava Jato e, por isso, seu nome passa por uma análise mais criteriosa. A mera indicação da advogada, porém, gerou desconforto em alas do governo.
Auxiliares de Lula também apontam que Dino acabou roubando protagonismo sobre o pacote de medidas para evitar novos ataques a escolas.
O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou liberação de R$ 3 bilhões de recursos do MEC (Ministério da Educação) para estados e municípios —trata-se de recursos já previstos no orçamento em ações para evitar novas tragédias.
Dino, porém, acabou tendo ascendência sobre a pauta ao anunciar dados de operações contra perfis que estimulam ataques na internet.
Integrantes do próprio Ministério da Justiça apontam contrariedade com o protagonismo exercido por Dino em um tema que fica sob o guarda-chuva do Ministério das Mulheres, comandando por Cida Gonçalves.
Antes mesmo do anúncio oficial da retomada das construções das Casas da Mulher Brasileia, Dino anunciou nas redes sociais que a medida seria novamente implementada, juntamente com outras ações para combater casos de violência contra as mulheres.
A Casa da Mulher Brasileira é projeto realizado pelo ministério comandado por Cida, com o apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
No próprio Ministério da Justiça, pessoas ouvidas pela Folha disseram que o ministro tem um perfil centralizador em relação aos assuntos da pasta e que ele acompanha tudo de perto.
Apesar desses ruídos no Palácio do Planalto, a avaliação de aliados de Lula é que a relação de Dino com Lula não tem sido prejudicada por essas desavenças. Mais do que isso, aliados do ministro da Justiça apontam que o próprio chefe do Executivo o demanda bastante sobre medidas sensíveis ao governo.
Inclusive, o presidente deu mais um sinal de que Dino é um de seus aliados mais próximos ao escolher o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, para comandar interinamente o GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
A decisão foi anunciada pelo ministro Paulo Pimenta (Secom) na esteira da demissão do ex-ministro do GSI, general Gonçalves Dias. O aliado de Dino chefiou o GSI até a nomeação do novo ministro, general Marcos Antonio Amaro dos Santos.
Cappelli ganhou destaque no governo Lula como interventor ao assumir a segurança pública do Distrito Federal no dia 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro tinham acabado de invadir e vandalizar o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal).
As rusgas entre os titulares da Esplanada são justificadas por aliados de Lula, em parte, pelo fato de que o governo tem um grande contingente de ministros que foram governadores.
Dos chefes das 37 pastas, 8 foram governadores. Por isso, tem a autoridade de terem chefiado Executivos estaduais e muitas vezes costumam centralizar decisões.
No Judiciário, o ministro causou ruído ao tentar barrar um nome para o TRF-1, o de João Carlos Mayer Soares, que conta com o apoio da classe política e, inclusive, do presidente da Câmara, Arthur Lira, com quem aliados disseram que tem uma relação desgastada. (Folha de SP)