A persistente alta no preço dos alimentos, preocupação de Luiz Inácio Lula da Silva pelo potencial impacto na popularidade, tem corroído a imagem de governos no Brasil e fora do país, como mostram as fracassadas tentativas de manutenção do poder nos Estados Unidos e no Reino Unido em 2024. Os riscos para o pleito do ano que vem levaram o presidente a cobrar os ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) a estudarem medidas para mitigar a inflação. Na mesma linha, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, disse que o assunto está sendo acompanhado de perto.
Na mesma reunião em que cobrou soluções, Lula advertiu que não quer reviver a figura “dos fiscais do Sarney”, em alusão às pessoas que monitoravam o tabelamento de preços na época do Plano Cruzado. A medida, que gerou um mercado paralelo de alimentos, não conseguiu combater a inflação que chegava a 350% ao ano.
No ano passado, o índice foi de 4,83%, segundo o IPCA, acima do teto da meta estipulada pela equipe econômica. Alimentos e bebidas subiram 7,69%, formando a categoria com a maior elevação entre as nove que compõem o índice.
Exemplo de Biden
Reservadamente, ministros alertam que a inflação nos Estados Unidos foi um fator relevante para o desgaste da gestão de Joe Biden, com impacto direto na derrota de Kamala Harris para Donald Trump há dois meses. Aliados de Lula lembram ainda a crise envolvendo a alta do preço do tomate no governo Dilma Rousseff, no início de 2013, que representou um baque na sua popularidade meses antes das manifestações de junho daquele ano.
A inflação global, intensificada em dois ciclos de alta nos últimos anos — durante a pandemia e, posteriormente, pela Guerra da Ucrânia —, tem afetado a popularidade de governos.
No Brasil, esse cenário também atingiu Jair Bolsonaro. Em setembro de 2021, reportagem do jornal Extra sobre filas para comprar ossos no Rio de Janeiro ganhou repercussão internacional. Naquele mês, o IPCA em 12 meses chegou a 10,25%, permanecendo acima de dois dígitos até julho de 2022, três meses antes das eleições presidenciais.
— Há três variáveis econômicas importantes para os sentimentos dos eleitores: inflação, desemprego e crescimento do PIB. A que tem o maior impacto eleitoral costuma ser a inflação, porque subtrai mais poder aquisitivo dos mais pobres — diz o cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe.
Lavareda lembra que, mesmo controlando a inflação na segunda metade do mandato, a gestão Biden-Harris foi castigada pelo eleitor. O índice de preços ao consumidor medido pela Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos chegou a 9,1% em junho de 2022 no acumulado em 12 meses, quando passou a recuar até chegar um ano depois ao patamar atual, próximo dos 3%. A insatisfação, porém, persistiu.
No Reino Unido, a inflação de alimentos também acelerou no pós-pandemia e atingiu 17,5% no acumulado em 12 meses em março de 2023. Mesmo reduzindo a taxa à casa dos 3% ao ano no final de sua gestão, o Partido Conservador, do primeiro-ministro Rishi Sunak, perdeu a eleição para o Partido Trabalhista em julho de 2024, após 14 anos no poder.
O marqueteiro Pablo Nobel, que atuou nas campanhas dos presidentes argentinos Alberto Fernández, de esquerda, e Javier Milei, de direita, considera a inflação dos alimentos um fator preponderante na avaliação dos governos.
— No curto prazo, (a inflação) gera um problema de avaliação (ao governante), em especial entre os mais pobres. Mas pode ter efeitos ainda mais complexos no médio prazo. Se o cidadão não vê a democracia como um sistema que soluciona seus problemas, deixa de apoiá-la em prol de outras alternativas — diz.
Desequilíbrio fiscal
No Brasil, Lula quer discutir políticas de curto prazo. Mas há um desafio estrutural, segundo a economista Juliana Inhasz, do Insper.
— A economia cresceu e o desemprego caiu sob Lula, mas a inflação de alimentos pesa muito. A percepção popular é a de que houve ganho em algumas áreas e perda em outras. A expectativa é que essa inflação persista. Há um desequilíbrio fiscal que, somado à inabilidade do governo, gerou desconfiança no cenário econômico, impactando juros e câmbio — analisa.
Até agora, não há alinhamento na Esplanada. Na última quarta-feira, Rui Costa disse que o governo deve implementar parte de sugestões apresentadas no ano passado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Também falou em “intervenções” para baixar os preços. Depois, o auxiliar de Lula recuou e disse que há apenas “medidas” em debate.
O presidente não quer que as medidas sejam vinculadas ao Plano Cruzado, do governo Sarney. Com o controle de preços da época, foi criado um mercado paralelo de alimentos e o combate à inflação fracassou, com índice chegando a 350% ao ano.
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, responsável pelo órgão que regula o estoque de grãos, descarta esse tipo de intervenção. Ele diz, porém, que é possível usar o órgão para fornecer comida mais barata às periferias.
— A ação ainda precisa ser fechada, mas seria uma política para populações vulneráveis — afirmou.
Nesta quinta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a regulamentação de vales refeição e alimentação poderiam contribuir para frear a alta.
— A imagem que o governo tem passado é de estar fragmentado, sem marca e sem projeto. A avaliação popular é um reflexo. A inflação é percebida como um problema grave. Tem um contexto da pandemia e tem o componente climático pressionando o preço dos alimentos. Isso requer um discurso que explique o problema e mostre soluções — diz o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp). (O Globo)