Por Djalma Rodrigues
Depois de haver atuado no O JORNAL, JORNAL DO TOCANTINS, O ESTADO DO MARANHÃO E JORNAL PEQUENO, foi no JORNAL DE HOJE, que vivi os momentos mais marcantes e intensos da minha carreira como jornalista. O JH esteve para mim como um curso de pós-graduação. Atuei em todas as editorias, iniciando na reportagem policial e chegando a editor-chefe. Foram momentos inesquecíveis, que ficaram gravados de forma indelével na memória, e me enriqueceram de conhecimentos e experiência.
Lançado no dia 10 de julho de 1981 em São Luís, pelo jornalista e empresário cearense Raimundo Nonato Cordeiro Filho, o JH se notabilizou pela coragem, combatividade e inovação no design gráfico, além de aglutinar em sua redação, um notável grupo de experientes e conhecidos jornalistas.
Ingressei no referido matutino, em maio de 1982. Estava trabalhando, nesse período, apenas no Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado (SIOGE), mas, a pedido do Udes Cruz, que era editor de política, sempre prestava colaboração na área policial, quando o saudoso Ruy Barbosa Moreira Filho (Ruyzinho), faltava.
Numa noite de segunda-feira, havia chegado no pensionato em que estava residindo, na Avenida Magalhães de Almeida, quando Udes e o fotógrafo Almir Pinheiro foram me procurar.
-Djalma, tu tens que fechar a página de polícia. Ocorreu um assassinato no Diamante, o corpo está no local e nãohá repórter. O Ruyzinho arrumou uma confusão, e disse para o Walter Rodrigues que não vai fazer a cobertura-, me disse o Udes.
Walter Rodrigues era o editor e atendi ao pedido. Fui lá e acabei editando a página nessa noite. No dia seguinte, no início da tarde, Udes me procura no SIOGE, afirmando que o Ruyzinho estava demitido e que a vaga de repórter policial era minha.
Acertei com a direção da autarquia. Me liberaram do expediente vespertino e encarei o novo desafio. Nesse mesmo dia conversei com o Cordeiro Filho, que, por sua vez, me encaminhou ao José Carlos Oliveira Matos, diretor administrativo, para que providenciasse minha admissão.
Foi o início de uma nova e promissora fase na carreira. O JH, nasceu sob o símbolo da oposição. Fustigava o governo de João Castelo, que estava chegando ao final. Castelo se candidatou ao Senado, venceu e depois acabou, juntamente com o empresário Carlos Gaspar, se tornando sócio de Cordeiro Filho no jornal
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Com isso, as baterias do JH se voltaram contra o grupo Sarney, após o rompimento declarado de Castelo com a então principal liderança política do Estado. Luiz Rocha, que substituiria Castelo no comando do Executivo Estadual, assumindo o governo em 1983, foi um dos principais alvos das pesadas críticas do matutino. Seu governo era passado na lupa pelos repórteres do ousado noticioso.
As respostas eram duras. João Rodolfo Ribeiro Gonçalves, primo do Castelo, era o vice-governador. Luiz Rocha encaminhou uma lei para a Assembleia extinguindo o vencimento do cargo, sob o argumento de que a única função do vice era substituir o titular de forma eventual.
Posteriormente, Rocha renunciou ao próprio vencimento. Secretários de Estado se recusavam a receber repórteres do jornal. Era uma guerra declarada e sem tréguas. Quando chegou o momento da desincompatibilização para que Luiz Rocha renunciasse ao governo e concorresse ao Senado, enviou um emissário para conversar com o João Rodolfo.
A proposta era de que João Rodolfo saísse candidato a deputado federal, numa dobradinha. Todo mundo sabia que o grupo Sarney não aceitava João Rodolfo como governante interino, porque iria apoiar a candidatura governamental do primo. Rodolfo mandou dizer que ou assumiria o governo ou ele e Luiz Rocha ficariam até o fim do mandato em seus respectivos cargos. Foi o que aconteceu. Luiz Rocha, obediente a Sarney, sequer voltou a falar em concorrer ao Senado e só retornou à cena política anos depois, como prefeito de sua terra natal, Balsas, após perder uma disputa por uma vaga na Assembleia Legislativa.
A população abraçou o jornal, que havia se transformado em coqueluche. Da tiragem de 10 mil exemplares, quase não havia sobras. Mas tinha um problema: As finanças estavam combalidas. O governo retaliava como podia. O empresariado tinha medo de anunciar e não havia a mídia institucional. Um garrote do poder político e econômico que começava seu processo de asfixia a uma voz adversária.
E foi assim com os governos subsequentes. Epitácio Cafeteira (15 de março de 1987 até 3 de abril de 1990) Edson Lobão (1991 a 1994). Não havia trégua. Ganhei espaço na redação, quando fui promovido de repórter policial para o setor de política. Depois, secretário de redação. Nos últimos momentos do JH, fui para a editoria geral, cargo que exigia uma dosagem de conhecimentos, experiência e muito jogo de cintura.
Mesmo com as finanças combalidas, o João Castelo investia pesado no projeto editorial. Trouxe, em momentos distintos, os jornalistas D. Campos, e o Adalberto Areias, de Brasília, para o comando da redação. Dois grandes profissionais.
Todos pensavam que, com a eleição de Gardênia Ribeiro Gonçalves esposa do João Castelo para a Prefeitura de São Luís, em 1985,o JH fosse se transformar num mar de rosas. Não foi assim. Melhorou, mas nem tanto.
Gardênia venceu as eleições contra o então deputado federal Jaime Santana, que, integrava a coligação denominada “Força Total” , que tinha o apoio de José Sarney, presidente da República, Luiz Rocha, governador do Estado e Mauro Fecury, prefeito de São Luís. Foi uma das maiores demonstrações de independência da população da capital, fazendo lhe valer o título de “Ilha Rebelde”. Foi a campanha do milhão contra o tostão.
Terminada a administração de Gardênia, em 1986, a crise voltou com mais força no JH. Atraso de pagamento de salários se transformou numa tônica, assim como a falta de material e cortes no fornecimento de energia elétrica que resultavam constantemente em suspensão das edições. Notas de primeira página anunciavam que a suspensão decorria de pena no parque gráfico, uando do retorno à normalidade.
Mesmo assim, era prazeroso trabalhar num órgão que mesclava a experiência de grandes profissionais com jovens oriundos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). No período em que fui editor-chefe, cargo que revezei com Jersan Araújo, Régis Vera Cruz Marques, Nonato Reis, Raimundo França e Marinaldo Gonçalves, adotei uma estratégia para evitar problemas de cunho político, já que o jornal era de propriedade de um ex-governador do Estado, que havia sido deputado federal e senador e da prefeita da cidade.
Sempre que ocorriam denúncias contra algum político que não tinha posição definida, recorria a pelo menos a quatro pessoas de influência junto ao staff de João Castelo. João Rodolfo, à época deputado federal, José Burnett, ex-chefe da Casa Civil e conselheiro de Castelo e Arimathéia Ataíde, que havia sido o secretário de Comunicação do governo. Foi quem instalou o órgão no âmbito do governo estadual, dando-lhe uma dinâmica que é seguida até os dias atuais.
Enfrentamos momentos de muita tensão, principalmente nas campanhas políticas. Castelo perdeu campanhas para o governo, para o Senado e não arrefecia o ímpeto crítico do seu matutino. Com isso, acabávamos por ser atingidos pela crise. Sem salários, sempre ocorriam sublevação. As paralisações, eram lideradas por Régis Marques e Nonato Reis. Como pessoa de confiança do grupo, só me restava tentar apaziguar. Buscava o apoio do então presidente do Sindicato dos Jornalistas, Leonardo Monteiro, que ouvia o Castelo ou Dona Gardênia e reunia os jornalistas para pedir que retornassem ao trabalho, dando-lhes as garantias que recebia dos proprietários.
Mesmo assim, foi muito prazeroso, trabalhar no JORNAL DE HOJE. Adquiri experiência, muito conhecimento e determinação. Difícil não lembrar do cenho franzido do José Carlos quando procurado pelo grupo de repórteres para saber se haveria a possibilidade de pelo menos um vale no final de semana, ou das conversas com o José Haroldo Tajra Reis, sempre pontilhadas de tensão, quando o assunto era pagamento e ameaça de greves. Duas figuras marcantes em suas passagens no periódico. Tornaram-se meus amigos até os dias atuais. Ambos são auditores fiscais do município.
Vibrava quando o Bernardo Almeida me chamava para discutir uma manchete, por determinação do João Castelo ou do Burnett. O Ariamthéia Ataíde, jornalista, intelectual, perfeccionista, professor da Universidade de Brasília me dava um trabalho danado.
Me ligava da Capital Federal e me ditava um artigo. Geralmente no começo da tarde. Até horas antes do encerramento ligava para fazer correções. Certa vez, coloquei o Luiz Vasconcelos para que lhe atender. O Vasconcelos tinha problemas de locução. Mesmo assim, conversaram. Depois, o Ataíde me ligou, zangado, reclamando que o tinha colocado para conversar com um gago. Era uma pessoa de difícil convivência.
Apesar dos problemas financeiros, reinava um clima de harmonia na redação. Todos se ajudavam. Lembro que, quando fui para a editoria de cidades, o trabalho era um verdadeiro perrengue. Três repórteres e um fotógrafo se espremiam num Fusca e saíam para o cumprimento de suas pautas.
Estranhei, porque, na reportagem policial, eu dispunha de um motorista e de um fotógrafo. Só nós três. Tinha autonomia porque passava a tarde inteira, indo de delegacia em delegacia ou me deslocando para onde houvesse uma ocorrência que desse notícia.
Mas o bom humor reinava e nunca vi um integrante da equipe se manifestando contra um colega tentando lhe prejudicar. Um episódio interessante aconteceu entre eu e o Nonato Reis. Quando me separei da primeira esposa, o Nonato Reis estava como secretário de redação. Andava deprimido e desafogava as mágoas na bebida.
Num domingo, fiz a ronda policial e encostava em cada bar que via para tomar uma. Cheguei na redação completamente embriagado. Reis simplesmente mandou o motorista me levar em casa, pegou os apontamentos, redigiu as matérias e editou a página.
Passado algum tempo, o papéis se inverteram. Eu estava como secretário e o Reis como repórter. Ele se desentendeu com o Zé Haroldo, saiu fulo da sala, redigiu uma carta de demissão, em “caráter irrevogável” e me entregou. Guardei a missiva, porque pensava em conversar com ele. Não poderia perder um dos textos mais brilhantes do jornalismo maranhense.
Quatro dias depois ele me procurou. Queria voltar. Lhe entreguei a carta e sugeri uma pauta. A direção do jornal nunca soube dessa história. Era assim o clima entre os profissionais desse combativo matutino, que silenciou sua outrora poderosa voz em 1994.
Posso dizer que, para mim, o JH foi uma bússola, foi minha régua e meu compasso.