O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não moderou o verbo no almoço realizado nesta terça-feira na sede do Supremo Tribunal Federal. Logo no início da conversa, que reuniu os 11 ministros do STF, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-AL), e os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Advocacia Geral da União, Jorge Messias, Lira reclamou de estar havendo um “2a 1” na relação entre os Poderes, numa referência ao que seria, no entendimento dele, uma tabelinha entre Judiciário e Executivo para escantear o Legislativo.
Lira disse que sabe que seu estilo muito direto não agrada muito, mas se queixou do que considera interferência do Judiciário nas prerrogativas do Legislativo.
Os ministros não responderam de pronto à acusação de Lira, que consideraram séria. Mais tarde, quando o clima já havia descontraído um pouco, Flávio Dino, relator das ações que levaram ao freio nas emendas, disse que havia apenas duas instâncias que mandavam nele: o plenário do Supremo e sua mulher.
Outro momento tenso do almoço foi quando Dino apresentou como parte da proposta de acordo que as emendas impositivas precisarão ter um limite, atrelado ao crescimento das despesas discricionárias (aquelas não obrigatórias). Os ministros Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes foram firmes ao defender esse teto. Rodrigo Pacheco, que a princípio também reagiu, depois tentou amenizar a discussão.
Rui Costa tentou evitar o impasse se dirigindo diretamente a Lira e dizendo que não era preciso haver “confusão”. “Vamos acertar isso”, afirmou, fazendo menção ao entendimento a que Executivo e Legislativo precisarão chegar em dez dias para atender as condições estabelecidas pelo STF na votação das ações sob relatoria de Dino.
Reclamação de Rui Costa e alfinetada de Lira
A reunião promovida nesta terça-feira, 20, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com a cúpula da Câmara, do Senado e ministros do governo Lula está longe de selar a harmonia entre os Poderes diante da crise. As fotos de homens engravatados sorridentes, em sofás de couro preto, não refletem o que ocorre nos bastidores.
A certa altura do encontro para discutir o futuro das emendas parlamentares, por exemplo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, expôs a contrariedade com o avanço do Congresso sobre o Orçamento.
“Do jeito que está, daqui a pouco o Congresso vai ficar com 100% das discricionárias”, disse ele, numa referência às despesas não obrigatórias, que o governo pode decidir como e quando gastar, como investimento e custeio.
Foi então que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu uma alfinetada em Costa. “E os ministros da Agricultura e das Cidades, que enviaram metade dos recursos das emendas para os seus próprios Estados?”, perguntou o deputado, em alusão aos ministros Carlos Fávaro (PSD) e Jader Filho (MDB). O clima esquentou, mas não houve bate-boca.
Antes, na quinta-feira, 15, oito dos 11 ministros do STF tiveram um encontro a portas fechadas, com o objetivo de construir estratégias para a votação no plenário, no dia seguinte, e a reunião desta terça.
A proposta da Casa Civil era acabar com as emendas de comissão, nas quais os padrinhos não são identificados, e jogar tudo para as individuais, mesmo que fossem as transferências Pix, em que o dinheiro cai direto nas contas de prefeituras e Estados.
Um dos magistrados disse ali que, se isso ocorresse, o governo “perderia governabilidade” no Congresso. Lira sempre foi contra o fim das emendas de comissão. Na Câmara, é ele que controla a distribuição dessa verba para os redutos eleitorais de aliados.
Outro ministro do STF observou então que, se o presidente Lula achava ruim a Câmara com Lira, não tinha ideia do que aconteceria se ele não tivesse domínio de sua própria base, o Centrão. Avaliou que, em protesto, deputados poderiam até mesmo “nem aparecer em Brasília”.
Naquele dia, que antecedeu o julgamento da liminar dada por Flávio Dino, os magistrados decidiram manter as restrições definidas pelo colega ao pagamento das emendas, para mostrar unidade da Corte. Combinaram, porém, que, logo depois, fariam um aceno na direção do acordo com o Congresso.
E assim foi feito. Apesar disso, no encontro desta terça-feira – seguido de almoço com duas opções de salada, massa, filé, bacalhau, frutas e bolo de chocolate de sobremesa –, Lira manifestou sua irritação.
PAC foi esnobado até pelo PT
“O que é que nós estamos fazendo para impedir o governo de implementar suas políticas públicas? A Câmara aprovou tudo, até a reforma tributária”, afirmou ele, que fez a mesma pergunta na conversa com Lula, na noite de segunda-feira, 19.
O Planalto quer agora que deputados e senadores direcionem recursos de emendas para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de projetos considerados prioritários em saúde, habitação e educação. Mas, até hoje, o PAC foi esnobado até pelo PT.
A pedido do governo, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Danilo Forte (União Brasil-CE), chegou a criar uma rubrica especialmente para esse fim: a RP-3. Dos R$ 50 bilhões disponíveis para emendas, no entanto, parlamentares e comissões só destinaram R$ 241 milhões para o PAC nessa rubrica, de acordo com dados do Siga Brasil, plataforma de informações sobre o Orçamento.
“Nem deputados do PT quiseram colocar dinheiro no PAC”, observou Forte à Coluna. “O parlamentar vai pôr dinheiro lá para não aparecer em nada, em lugar nenhum? O governo, depois, nem agradece.”
Consta que, quando era deputado federal, Tancredo Neves dizia: “Peça qualquer coisa para um político, menos o seu suicídio.” Ao que tudo indica, o STF e o Planalto viram que, se esticassem muito a corda, receberiam o troco lá na frente. E tiraram o bode da sala. (Estadão e O Globo)